"Escravo
Escravo…
Ouve… vê… se ouvir ainda podes, se ainda tens querer…
Quem te vela a vontade, quem te oculta a verdade? Quem?
Verdade – dizes tu?...
Morrer, digo-te eu…
Vê… como te usam, como te abusam – como se usam desculpas mil
Esquadrões cinzentos, os vencidos do tempo,
Que nada mais têm, se não ir morrendo, em vez de morrer
Mas a ti – ignorante – ainda te resta a esperança…
De que – com a verdade – não pactues nas sombras,
Com a idade – em vez de vergares
A vista se abra… vejas… e digas
Não…
Usam-te, mentem-te e cospem-te no chão…
Camas de hospital… morto para o teu nome – um número mais…
Em casas de aldeia… abandonado – com a tua velhice, insignificância, falta de dimensão…
Num lar – esse cesto de papéis velhos, todos riscados, nos quais nada mais se pode escrever … ou ler…
Não…
Mas – tudo isto te é velado…
Não o vês, “fere sensibilidades”, não concorda com o modelo que te metem pela gorja…
Não o engoles, nem com Morangos e Açúcar, estados de luz apagada, nem à frente de um pelotão…
Sabes que existe…sabes – pelas horas de visita – poucas – caras lavadas, lençóis que encobrem corpos desfigurados, carnes podres e rasgadas, olhos apagados…
E – mais…
O corpo fala – queixa-se – do teu abuso por ignorância, da pressão, de te contrariares no entusiasmo, de venderes os teus sonhos por, de nada, um quinhão…
Eu – carcereiro desta prisão imensa –dou-te pastilhas, te injecto drogas, te vendo ilusões… e tu comes, pagas, persegues – este lixo que nada te salva, apenas retarda – a podridão…
Não…
Podres, ocos, perdidos…
Atarefados em direcção a parte alguma…
Putas de Rua com manias de Estatuto – quanto custa um segundo do teu dia?
Quanto custou esse abraço que o filho, a namorada pediam?
Quanto custa a pastilha para dormir, o psicotrópico de ocasião?
Não…
Quanto vale a droga que te injectam para que sigas, para que não pares – corpo esmigalhado pelo peso e a opressão?
Não…
Quanto vale a vida, a tua, de teu filho, teu pai, primo, amigo, familiar num lar?
Quanto te pedem pelo tempo no que encaixilhas crianças nas prateleiras do pensamento lavado, da formatação?
Não…
Orgulhosos de grilhões de ouro, ou de prata, ou de bronze – consoante o que se pode… palermas ostentosos de correntes que nos prendem, nos subjugam, nos cegam e devoram nossa imensidão…
Não…
Já paraste, pensaste – para quê?
Para onde? Te levam, te mandam, te obrigam, te enganas? Para onde?...
Queres isto, queres o tempo que perdes, os sonhos que voam, a vontade que se estilhaça – em cada dia que passa – nas paredes ocas, verdades vazias, que compras preço de sangue, que vendes por fatias de nada que te levam aparte alguma… ao caixão?
Não…
Deuses ignorantes da sua natureza… celebrados pelos que criaram um cárcere como sarcasmo vivente de quem criou…
Temet gNosce
Sísifo perpétuo, Prometeu dormente, portadores de luzes veladas… quase apagadas do coração…
Não…
Quem somos? Quem fomos? De onde vimos? Que fazemos aqui?
Porque recordo – e sofro – um tempo perdido, uma luz e uma queda; porque sei que isto é verdadeira ilusão?...
Lápis Exilii
Geridos por semelhantes, vontades em decomposição – cadáveres que ainda não se precatam de ser mortos – caminhamos num vale de sombras em direcção a um único objectivo – a morte…
Nada antes, nada durante, nada depois…
Nihilum…
Condicionado – estás – ingere cinza, apreciar, gostar… nada.
Mas – talvez – um segundo de luz… de verdade… de vida…
Que uma eternidade de cativeiro, de sombras… mentira…
Realidade – nua, crua – a ilusão
Talvez…sim
Não…
Abre os olhos… e vê…
Ou
Não… "
"Daniel Almeida in
Tears of Heaven"