Citações, Música, Fotografia, Desabafos, Notícias & Opiniões de uma Lusitana em Terras da Germânia

Samstag, Dezember 10, 2005

Recicle Bin

Deixarei esta “casa” por um breve período. No entanto as portas estarão sempre abertas para os amigos.
Entrem sempre que vos apetecer e fiquem à vontade.
Fica um texto e um poema muito oportuno principalmente nesta época do ano, onde a hipocrisia impera, onde todos falam em solidariedade, bondade, caridade, esquecendo-se que o natal deveria ser vivido todos os dias e não apenas durante uns quantos dias de Dezembro. Onde todos ficam preocupados em consumir e, colocar debaixo de um pinheiro embrulhos coloridos e brilhantes, contudo, ocos e vazios de tudo.
Este texto e poema pertencem ao Daniel, uma pessoa que sabe o que significa a palavra "Vida" em toda a sua essência.
Peço que leiam até ao fim, para reflectir no que realmente é a essência da vida, na dádiva do amor ao próximo.
Grata Daniel, por seres o que és e como és. Não basta apenas falar, há que fazer e, tu, tu és o exemplo vivo disso mesmo.
Vale a pena parar um pouco e pensar naquilo que realmente somos e, o que andamos cá a fazer...

"Para enquadrar este texto, pensei em anexar umas fotos daqueles que - regularmente - confrontam o meu dia.
Esses que ninguém vê - debaixo da tampa dos caixotes de lixo hospitalares, tapados pelas regras internas dos hospícios, guardados nos cantos da moralidade e pudor públicos, arredados do olhar pelas éticas e deontologias criadas para proteger a própria gente humana...

Pensei em tirar umas fotos desses rostos vazios, desses corpos que apodrecem, dessa solidão de silêncio, desses cantos esquecidos das famílias ou câmaras "indiscretas"... aqui não há SIC, nem TVI... nada.

Pensei em divulgar, aos três ou quatro olhares que me visitam, o que vejo e devo calar - porque sou pago para isso, por ser guardião do cárcere no que rodopiamos diariamente e da mentira a vozes que calamos em cada acto profissional... rostos desfigurados, figuras de cera com olhar perdido algures num passado indecifrável; os pedidos para que "termine", de quem "já não aguenta mais"...

Obviamente - não posso.

Vai contra a regra não escrita - mas implícita e omnipresente - de que devemos olhar de lado quando a morte (a de dentro meus caros, não a de quem morre de pé) passa; fazer ouvidos moucos aos prantos de silêncio das periferias - casas de tradição e família abandonadas pelos jovens, encerrando os vestígios de um passado que a máquina deseja cilindrar e empurrar rapidamente para baixo da alcatifa de oblívio...

Procurei na internet... "Idosos", "Velhos", "geriatria", "escaras", "úlceras de pressão"... até em inglês.
O Google só me devolvia - regra geral - rostos sorridentes de publicidades enganosas (ou serão espectros as centenas largas que já passaram pelo meu "cuidar" nestes quase 12 anos?), desenhos surrealistas que mais que elucidar e impor a devida atitude introspectiva, nos encantam e deleitam - como se de um estado onírico e uma viagem à terra de contos de fadas se tratasse...

Assim - na falta de imagens - pinto eu a minha revolta, a minha dor, a minha angústia, o desespero face a uma parede negra - sem estrelas nem esperança - que é o estar face a face com essas caras, o inalar o seu alento morto, o seu cheiro decomposto, as súplicas que tocam batas brancas e estatutos... já não somos humanos - disso, eu e eles - fomos despojados.

Aponto o dedo a hipocrisia social - que não quer ver, que proíbe ver - o que acontece às peças desta máquina endiabrada - uma vez exaustas, drenadas até a sua ínfima essência e jogadas a um canto...

Acuso os papéis de quem executa, de quem desempenha, de quem é pago para o que quer que seja humano - cuidar, educar, decidir... autómatos nos tornamos debaixo do látego implacável do cacique obscuro que nos impele a ir em frente contra tudo o que nos dita o coração, a alma, a intuição...

Aponto e acuso-me a mim - peão deste tabuleiro de pretos e brancos nos que a humanidade não cabe nem se manifesta na sua cor garrida.
Peão que se humilha, que prefere sobreviver a custa de outro que caminha para a treva antes de se erguer e dizer não...

Eis o meu poema - meio em prosa e poesia rimada - que seria o canto de revolta que gostaria de emitir, em vez desse triste "sim" - pequenino, baixinho - como a opção de manter a aparência... "


"Escravo





Escravo…

Ouve… vê… se ouvir ainda podes, se ainda tens querer…

Quem te vela a vontade, quem te oculta a verdade? Quem?

Verdade – dizes tu?...
Morrer, digo-te eu…

Vê… como te usam, como te abusam – como se usam desculpas mil

Esquadrões cinzentos, os vencidos do tempo,
Que nada mais têm, se não ir morrendo, em vez de morrer

Mas a ti – ignorante – ainda te resta a esperança…

De que – com a verdade – não pactues nas sombras,
Com a idade – em vez de vergares
A vista se abra… vejas… e digas

Não…

Usam-te, mentem-te e cospem-te no chão…

Camas de hospital… morto para o teu nome – um número mais…
Em casas de aldeia… abandonado – com a tua velhice, insignificância, falta de dimensão…
Num lar – esse cesto de papéis velhos, todos riscados, nos quais nada mais se pode escrever … ou ler…

Não…

Mas – tudo isto te é velado…
Não o vês, “fere sensibilidades”, não concorda com o modelo que te metem pela gorja…
Não o engoles, nem com Morangos e Açúcar, estados de luz apagada, nem à frente de um pelotão…

Sabes que existe…sabes – pelas horas de visita – poucas – caras lavadas, lençóis que encobrem corpos desfigurados, carnes podres e rasgadas, olhos apagados…

E – mais…

O corpo fala – queixa-se – do teu abuso por ignorância, da pressão, de te contrariares no entusiasmo, de venderes os teus sonhos por, de nada, um quinhão…

Eu – carcereiro desta prisão imensa –dou-te pastilhas, te injecto drogas, te vendo ilusões… e tu comes, pagas, persegues – este lixo que nada te salva, apenas retarda – a podridão…

Não…

Podres, ocos, perdidos…

Atarefados em direcção a parte alguma…

Putas de Rua com manias de Estatuto – quanto custa um segundo do teu dia?
Quanto custou esse abraço que o filho, a namorada pediam?
Quanto custa a pastilha para dormir, o psicotrópico de ocasião?

Não…

Quanto vale a droga que te injectam para que sigas, para que não pares – corpo esmigalhado pelo peso e a opressão?

Não…

Quanto vale a vida, a tua, de teu filho, teu pai, primo, amigo, familiar num lar?
Quanto te pedem pelo tempo no que encaixilhas crianças nas prateleiras do pensamento lavado, da formatação?

Não…

Orgulhosos de grilhões de ouro, ou de prata, ou de bronze – consoante o que se pode… palermas ostentosos de correntes que nos prendem, nos subjugam, nos cegam e devoram nossa imensidão…

Não…

Já paraste, pensaste – para quê?
Para onde? Te levam, te mandam, te obrigam, te enganas? Para onde?...

Queres isto, queres o tempo que perdes, os sonhos que voam, a vontade que se estilhaça – em cada dia que passa – nas paredes ocas, verdades vazias, que compras preço de sangue, que vendes por fatias de nada que te levam aparte alguma… ao caixão?

Não…

Deuses ignorantes da sua natureza… celebrados pelos que criaram um cárcere como sarcasmo vivente de quem criou…

Temet gNosce

Sísifo perpétuo, Prometeu dormente, portadores de luzes veladas… quase apagadas do coração…

Não…

Quem somos? Quem fomos? De onde vimos? Que fazemos aqui?
Porque recordo – e sofro – um tempo perdido, uma luz e uma queda; porque sei que isto é verdadeira ilusão?...

Lápis Exilii

Geridos por semelhantes, vontades em decomposição – cadáveres que ainda não se precatam de ser mortos – caminhamos num vale de sombras em direcção a um único objectivo – a morte…

Nada antes, nada durante, nada depois…

Nihilum…

Condicionado – estás – ingere cinza, apreciar, gostar… nada.

Mas – talvez – um segundo de luz… de verdade… de vida…
Que uma eternidade de cativeiro, de sombras… mentira…

Realidade – nua, crua – a ilusão

Talvez…sim

Não…

Abre os olhos… e vê…

Ou

Não… "

"Daniel Almeida in Tears of Heaven"




Comments:

18 Comments:

  • At 10:02 PM, Blogger Fragmentos Betty Martins said…

    Querida Micas

    Desejo de todo o coração, que tudo corra bem com o teu pai..............

    Triste e verdadeiro o teu poema.

    Deixo aqui este poema de uma poetisa (de uma escrita invulgarmente bela - profunda - sentida.

    "Os presos contam os dias eu também
    nesta prisão impotente a que chamamos Terra
    eu trago correntes que atravessam países cidades e horas
    são feitas não de ferro mas de vento

    são enormes navios que sulcam o mundo
    deles avisto não o mar nem as pedras
    mas grandes desertos como a alma humana

    fito o infinito numa qualquer rua
    os olhos que comigo cruzam
    são uma prisão maior

    e este poema foi escrito
    para enfrentarmos juntos o dia escuro
    a solidão fria dos homens
    e o terror do esquecimento"

    (Maat)

    Um grande abraço - muita força, Amiga.

     
  • At 10:38 PM, Blogger Unknown said…

    Minha querida Micas, em primeiro solidarizo-me e sinto contigo a dor por saberes o teu pai doente, lamento muito minha querida amiga, em relação a este excepcional post que colocas deixou-me amargurada, com um grande nó na garganta, viver o que é ...dor amargura e desilusão. Beijos amiga e tem boa viagem

     
  • At 10:43 PM, Blogger Manel do Montado said…

    Acabo de te ler, reler e sentir-me esmagado por tanta humanidade, daquela que vem de dentro, por este grito que soltas na esperança que quem pode te ouça.
    Hoje sinto-me irmanado contigo enquanto participantes e observadores num qualquer acto da tragédia humana. Não se pode confundir profissionalismo, ou ética profissional, com frigidez para com quem espera uma palavra de conforto, por vezes a última antes da grande viagem.
    Hoje és minha irmã no desconforto que sentes por aqueles que já não sentem o calor humano, o que ainda se pode dar com compaixão.
    Abandonei uma farda por crer que podia ajudar mais sem ela e assim faço.
    Deixo-te com as palavras do meu Professor Francisco Lucas Pires, sobre a verdadeira essência do que deverá ser um Estado Social de Direito e não este sucedâneo que nos querem impingir:
    “Ao princípio era o homem, depois o Estado, donde o Estado ter de se humanizar e não o homem de se estadualizar.”
    É dos textos mais fantásticos que li até hoje, acompanhados de um belíssimo, duro e real poema. Se me pudesses ver aplaudir-te-ia de pé, pela “massa” humana de que és feita.
    Estou sem mais palavras para te escrever, se soubesses como te compreendo, como estou irmanado deste sofrimento pelos outros.
    Uma boa viagem e se o teu Natal for triste, onde quer que estejas, acarinha quem vive e enquanto vive. Sê forte minha amiga.
    Beijo

     
  • At 1:15 PM, Blogger Madeira Inside said…

    Olá Micas!!
    De regresso a Portugal?!?! Que bom!! Que tudo corra muito bem!!
    EsTa prosa e este poema são a junçaõ de uma sensibilidade que toca o coraçãozinho de todos.
    Pelo menos o meu ficou tocado!!
    Muito bom!!
    Verdade cruel....

    Um beijinho mui grande!!
    E um abraço :)***

     
  • At 4:14 PM, Blogger almadepoeta said…

    Lamento muito que tenhas de regressar a Portugal com um problema desses na tua vida. Só posso desejar que tudo corra pelo melhor, e mesmo com doença, antes um Natal com todos juntos do que o Natal como o meu ,que será pela primeira vez com a ausência da minha mãe que partiu vai fazer um ano.
    Força para enfrentares as dificuldades da vida. Deixo um beijo co muito carinho

     
  • At 5:14 PM, Anonymous Anonym said…

    Olá Micas... que a sua viagem seja a melhor possível, dentro de um contexto triste, receba a minha solidariedade.
    Já este texto, amargurou-me profundamente...
    Até a volta =)

     
  • At 7:36 PM, Blogger Freddy said…

    Bom regresso!!!Cá te esperamos!

    Beijitos da Zona Franca

     
  • At 2:42 AM, Blogger Raimundo Narciso said…

    Querida Amiga faço votos para que tudo corra pelo melhor com a saúde do teu pai. Um beijinho.

     
  • At 6:31 AM, Anonymous Anonym said…

    faz todo sentido o que dizes.

    ofereço um pouco da minha energia para ti e para o teu pai.


    (holeart)

     
  • At 5:40 PM, Blogger musalia said…

    querida Micas, sei dessas angústias que te fazem regressar a Portugal...infelizmente. que tenhas força para enfrentares tudo o que aparecer.
    a época de Natal, penso exactamente como tu, amiga. mas as crianças, por elas inventamos alegria e magias. as nossas princesas.
    beijos, fica em serenidade.

     
  • At 1:34 PM, Blogger Impensamental said…

    Um paseio pelas palavras

     
  • At 12:37 AM, Blogger Unknown said…

    Amiga!
    Ficarei a espera do teu retorno, muito sentida por tua ausencia, mas sabendo que será para algo muito sério e justo...
    Espero que tudo saia da melhor forma possível, para ti, para o teu pai querido e para todos da família!
    Desde aqui, amiga, deixo-te meu beijo carinhoso, meu abraço amigo, minha amizade sincera!
    Que Deus lhes acompanhe a todos!
    Beijos e flores para ti, minha querida!

     
  • At 6:22 PM, Blogger Dada said…

    I wish i can understand what you were saying. but given my time next week, ill be back and decipher your sultry language.

    i am not travelling right now, can you believe that?

    it's minus 10 degrees celsius where i write!

    come and visit me when you can.

     
  • At 1:37 AM, Blogger isa xana said…

    ando meio ausente mas vim aqui para te deixar um beijinho de natal*

     
  • At 8:53 AM, Blogger blimunda said…

    sempre perto pertinho de ti. do lado esquerdo do corpo. mil beijos querida

     
  • At 12:25 AM, Blogger Madeira Inside said…

    Querida Micas,
    por aqui passei para te desejar UM FELIZ NATAL CHEIO DE ALEGRIA QUE O ANO NOVO TE TRAGA COISAS MUITO BOAS!!!

    Muitos beijinhos!!
    :)

     
  • At 3:47 PM, Blogger Estrela do mar said…

    ...Micas...venho-te desejar um feliz Natal e um ano novo cheio de coisas boas...


    Beijinhosssssssss

     
  • At 1:35 AM, Blogger mfc said…

    Fortíssimo e tocante!

     

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