Citações, Música, Fotografia, Desabafos, Notícias & Opiniões de uma Lusitana em Terras da Germânia

Mittwoch, März 01, 2006

Somos Portugal



Há dias recebi por mail um texto que fala do „Norte“. Foi-me enviado por uma amiga, nortenha e minhota, como eu.
Não resisti à tentação de o colocar aqui, não por desconsideração, muito pelo contrário.
Sou do norte sim, Limiana de coração. Admito o meu orgulho em ser nortenha, o Porto que me viu nascer, Ponte de Lima onde cresci e Viana do Castelo onde por último vivi, habitam no meu peito, da mesma maneira, que gosto de tantos outros locais espalhados ao longo deste pequeno rectângulo à beira mar plantado. Todas as regiões, tem a sua graça e os seus encantos próprios e, acima de tudo, únicos.
Por isso acredito que, cada "não-nortenho" traga o sul dentro do peito, o centro, ou as ilhas, o que de todo, não elimina os outros pontos cardeais, eles não existem sózinhos, complementam-se.
Sempre achei ridículo aquele „bairrismo fanático e patético“, que apenas espelha a alma de quem verdadeiramente pouco ou nada sabe sobre as suas origens. Somos tão pequeninos, não tem que haver fronteiras nem muros, essas são inventadas por nós, porque a grande verdade é só uma; somos todos irmãos e, a bússola não sei se existe, todos, temos o mesmo nome;
PORTUGAL.


Texto de Miguel Esteves Cardoso:

"Primeiro, as verdades.
O Norte é mais Português que Portugal. As minhotas são as raparigas mais bonitas do País (a beleza está no interior de cada um[a] e no olhar de quem vê).
O Minho é a nossa província mais estragada e continua a ser a mais bela.
As festas da Nossa Senhora da Agonia são as maiores e mais impressionantes que já se viram. Viana do Castelo é uma cidade clara. Não esconde nada. Não há uma Viana secreta. Não há outra Viana do lado de lá. Em Viana do Castelo está tudo à vista. A luz mostra tudo o que há para ver. É uma cidade verde-branca. Verde-rio e verde-mar, mas branca.
Em Agosto até o verde mais escuro, que se vê nas árvores antigas do Monte de Santa Luzia, parece tornar-se branco ao olhar. Até o granito das casas.
Mais verdades.
No Norte a comida é melhor (diria que a cozinha portuguesa é a melhor da europa, cada região tem as suas especialidades). O vinho é melhor (o branco sim). O serviço é melhor. Os preços são mais baixos. Não é difícil entrar ao calhas numa taberna, comer muito bem e pagar uma ninharia.
Estas são as verdades do Norte de Portugal. Mas há uma verdade maior. É que só o Norte existe. O Sul não existe. As partes mais bonitas de Portugal, o Alentejo, os Açores, a Madeira, Lisboa, etc, existem sozinhas. O Sul é solto. Não se junta. Não se diz que se é do Sul como se diz que se é do Norte.
No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Quem é que se identifica como sulista? No Norte, as pessoas falam mais no Norte do que todos os portugueses juntos falam de Portugal inteiro.
Os nortenhos não falam do Norte como se o Norte fosse um segundo país. Não haja enganos. Não falam do Norte para separá-lo de Portugal. Falam do Norte apenas para separá-lo do resto de Portugal. Para um nortenho, há o Norte e há o Resto. É a soma de um e de outro que constitui Portugal. Mas o Norte é onde Portugal começa. Depois do Norte, Portugal limita-se a continuar, a correr por ali abaixo. Deus nos livre, mas se se perdesse o resto do país e só ficasse o Norte, Portugal continuaria a existir. Como país inteiro. Pátria mesmo, por muito pequenina.
No Norte. Em contrapartida, sem o Norte, Portugal seria uma mera região da Europa. Mais ou menos peninsular, ou insular. É esta a verdade. Lisboa é bonita e estranha mas é apenas uma cidade. O Alentejo é especial mas ibérico, a Madeira é encantadora mas inglesa e os Açores são um caso à parte.
Em qualquer caso, os lisboetas não falam nem no Centro nem no Sul - falam em Lisboa.
Os alentejanos nem sequer falam do Algarve - falam do Alentejo.
As ilhas falam em si mesmas e naquela entidade incompreensível a que chamam, qual hipermercado de mil misturadas, Continente.
No Norte, Portugal tira de si a sua ideia e ganha corpo. Está muito estragado, mas é um estragado português, semi-arrependido, como quem não quer a coisa.
O Norte cheira a dinheiro e a alecrim. O asseio não é asséptico - cheira a cunhas, a conhecimentos e a arranjinho. Tem esse defeito e essa verdade. Em contrapartida, a conservação fantástica de (algum) Alentejo é impecável, porque os alentejanos são mais frios e conservadores (menos portugueses) nessas coisas.
O Norte é feminino. O Minho é uma menina. Tem a doçura agreste, a timidez insolente da mulher portuguesa. Como um brinco doirado que luz numa orelha pequenina, o Norte dá nas vistas sem se dar por isso. As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-se sozinhos.
Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança.
Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros. Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens. Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os maridos, mas gosto delas. São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem. As mulheres do Norte deveriam mandar neste país. Têm o ar de que sabem o que estão a fazer.
Em Viana, durante as festas, são as senhoras em toda a parte. Numa procissão, numa barraca de feira, numa taberna, são elas que decidem silenciosamente. Trabalham três vezes mais que os homens e não lhes dão importância especial. Só descomposturas, e mimos, e carinhos.
O Norte é a nossa verdade. Ao princípio irritava-me que todos os nortenhos tivessem tanto orgulho no Norte, porque me parecia que o orgulho era aleatório. Gostavam do Norte só porque eram do Norte. Assim também eu. Ansiava por encontrar um nortenho que preferisse Coimbra ou o Algarve, da maneira que eu, lisboeta, prefiro o Norte.
Afinal, Portugal é um caso muito sério e compete a cada português escolher, de cabeça fria e coração quente, os seus pedaços e pormenores. Depois percebi. Os nortenhos, antes de nascer, já escolheram. Já nascem escolhidos. Não escolhem a terra onde nascem, seja Ponte de Lima ou Amarante, e apesar de as defenderem acerrimamente, põem acima dessas terras a terra maior que é o "O Norte". Defendem o "Norte" em Portugal como os Portugueses haviam de defender Portugal no mundo. Este sacrifício colectivo, em que cada um adia a sua pertença particular - o nome da sua terrinha - para poder pertencer a uma terra maior, é comovente. No Porto, dizem que as pessoas de Viana são melhores do que as do Porto. Em Viana, dizem que as festas de Viana não são tão autênticas como as de Ponte de Lima. Em Ponte de Lima dizem que a vila de Amarante ainda é mais bonita. O Norte não tem nome próprio. Se o tem não o diz. Quem sabe se é mais Minho ou Trás-os-Montes, se é litoral ou interior, português ou galego? Parece vago. Mas não é. Basta olhar para aquelas caras e para aquelas casas, para as árvores, para os muros, ouvir aquelas vozes, sentir aquelas mãos em cima de nós, com a terra a tremer de tanto tambor e o céu em fogo, para adivinhar. O nome do Norte é Portugal. Portugal, como nome de terra, como nome de nós todos, é um nome do Norte. Não é só o nome do Porto. É a maneira que têm de dizer "Portugal" e "Portugueses". No Norte dizem-no a toda a hora, com a maior das naturalidades. Sem complexos e sem patrioteirismos. Como se fosse só um nome. Como "Norte". Como se fosse assim que chamassem uns pelos outros. Porque é que não é assim que nos chamamos todos?"
Comments:

20 Comments:

  • At 12:35 PM, Blogger Rita Maria said…

    Grande!

     
  • At 10:04 AM, Blogger Unknown said…

    Olá amiga, gostei imenso do que escreves, mas também tenho de confessar que gosto do do texto do Miguél. Eu não tenho nada conta as outras zonas do país mas acredita que quem marca a distância não somos nós os Minhotos ou seja os Nortenhos até porque aqui em Braga uma grande maioria gosta de um clube de futebol de Lisboa, acho que quem tem criado esse distanciamento não somos nós. Há uma diferença entre as pessoas do norte e o resto do país nos gostamos do nosso canto, talvez seja esse o problema, qual de nós não sente orgulho de ser do norte, e se reparares a maioria de Lisboa, diz que París ou Londres é que é fantástico lá viver! será culpa nossa gostar-mos da nossa terra, eu vejo Portugal num todo, mas gosto muito do meu cantinho seria incapaz de o trocar . Beijinhos minha amiga

     
  • At 2:14 PM, Blogger Sara Mota said…

    E eu Alfacinha, pode ser? :PP

    Jinho, Micas**

     
  • At 1:23 AM, Anonymous Anonym said…

    Olá amiga! Sabia que ias gostar deste texto ;)

    Eu também concordo que somos demasiado pequeninos para ser bairristas e que todas as zonas do País tem o seu encanto. Se pudesse passava muito mais tempo a apreciar cada uma delas.

    Contudo, tu que me conheces vais com certeza entender-me se te disser que há um cantinho no Norte que me habita a alma de forma muito especial - o lugar onde nasci. Perdoem-me, mas quando se tem raízes de 800 anos no mesmo local, é impossível ver esse espaço sem ser de outra forma... Com muito orgulho!

    Mas controvérsias à parte, achei imensa piada à visão do Miguel Esteves Cardoso e especialmente à sua descrição das mulheres do Norte... E convenhamos que "dar nas vistas sem se dar por isso" é talvez a melhor forma de se evidenciar...

    Beijinhos e saudades,
    AC

    P.S. - A música não podia ser melhor ;)

     
  • At 1:29 AM, Blogger Estrela do mar said…

    ...pois é Micas...eu adoro o norte...mas discordo completamente em alguns pontos do texto do MEC...ou seja, concordo sim com o que tu escreveste:)...


    Jinhosssss e viva Portugal!

     
  • At 1:30 AM, Blogger Fragmentos Betty Martins said…

    Querida Micas

    Tenho uma admiração muito especial por Miguel Esteves Cardoso.

    Esta crónica dele é sem dúvida o que nós somos - e com muito ORGULHO DIGO EU!

    Porque tenho o maior orgulho em ser Portuguesa. Em qualquer parte do mundo onde estive (fui) - ou venha a estar, serei sempre - PORTUGAL!

    Beijinhos e uma Flor:)

     
  • At 11:25 AM, Blogger Nilson Barcelli said…

    Sou do Norte, como sabes, mas acho o MEC um bocado excessivo, ainda que, no seu todo, ele tenha razão no que diz.
    Beijinhos querida amiga e bom fim-de-semana.

     
  • At 4:03 PM, Blogger Desambientado said…

    Gostei dos dois textos. Excelentes.
    Eu sou diferente consoante as circunstâncias e os círculos:

    Na minha ilha sou Sebastianense.
    Noutra ilha Açoriana, sou Terceirense.
    Fora dos Açores, em território Português, Açoriano,
    Fora de Portugual, Português.
    Noutro Continente, Europeu.

    Será que sou o único que sem saber se situa assim?
    Se tivesse nascido em Braga, diria, quando estivesse no Porto que era Bracarense,
    Em Lisboa, do Norte, em Espanha, Português, etc.

    Não consigo ver estes tipos de comentários, para além da necessidade da exactidão de pertença.

     
  • At 11:55 PM, Anonymous Anonym said…

    Viva o Alentejo!

     
  • At 12:37 AM, Blogger Å®t Øf £övë said…

    Micas,
    Já conhecia este texto do MEC, e acredita que quando o li me identifiquei desde logo com a sua ideia. Também sou nortenho, e tenho todo o orgulho nisso, sem ser bairrista ou ter como objectivo a divisão do país, já de si tão pequenino.
    Obrigado pela partilha.
    Bom fds.
    Bjs.

     
  • At 2:28 AM, Blogger Simbelmune said…

    Bem, da ponta de Portugal só posso pensar na Galiza e sentir que as raízes de ambos os lados do Minho nunca foram desenterradas... seguem lá e estão nas gentes, na língua, na cultura.
    Por muito que nos chamem "galegos" com despeito (e alguns espanhóis lhes chamem portugueses aos de Pontevedra em tom pejorativo) eles lá continuam a exibir a bandeira das quinas como forma de identidade, a cantar "menos mal que nos queda Portugal") e afins. Não sei quem confundiu "Galegos" com espanhois no geral como forma de se referir ao inimigo ancestral - mas de certo que da galiza não recebemos nem imperialismos nem coisas afins.
    Eu sempre senti o Minho parte de lá, com uma artéria comum que as unia.... um rio.

    Desde a pontinha do Portugraal um abraço para a Germânia.

    Achei piada - entramos em sintonia numa frase sobre muros que se levam dentro...

    Espero que o destino nos encontre em breve nas virtualidades...

    Bem haja

     
  • At 2:58 PM, Blogger Mikas said…

    Nasci na margem sul, vivo no algarve há 4 anos e meio, antes de mais sou portuguesa, depois uma cidadã do mundo.

     
  • At 6:37 PM, Blogger Aragana said…

    Vim cá parar por acaso (a cena do saltar de blog em blog e depois nao sabemos onde andamos) e deparo-me com este texto do MEC que tasnto adoro (do Mec e nem de tudo o que escreve)... mas tenho de dizer que concordo com esta frase "No Norte dizem-se e orgulham-se de se dizer nortenhos. Quem é que se identifica como sulista?" - no entanto, no sul as pessoas identificam-se por região mas nao acho que por isso sejam menos patriotas.
    Mas o texto é muito bom!

     
  • At 6:53 PM, Blogger Manel do Montado said…

    Apesar do MEC nada me dizer, reconheço fantástica a forma como retrata o pequeno país que somos e o grande povo que cada vez mais o é, resistindo a investidas incessantes do neo-liberalismo e fazendo milagres com os parcos “tustos” que por cá se ganham.
    No mesmo sentido acho que o MEC não conhece bem o Alentejo. Isto porque há o Alto e o Baixo e nunca se ouve um alentejano dizer que é dum ou doutro, mas simplesmente que é alentejano. O rapaz anda desatento e denotou não conhecer bem o Alentejo. Agora concordo com o sentido de norte dos povos daquela região do país, há mais apego à terra, à tradição, ao sentido de propriedade. Mas o MEC parte de premissas que de todo em todo são verdadeiras, pois esse regionalismo sente-se entre as gentes do Porto e o resto do norte, sente-se entre Guimarães e Braga, entre Leça e Matosinhos e ele tudo resume a norte, e então o centro, ou onde é a fronteira entre o norte e o sul? Talvez se o pai dele, oficial da Marinha de Guerra, lhe houvesse explicado o sentido verdadeiro de pátria e territorialidade marítima ele tivesse reflectido um pouco para escrever. È que apesar de bem escrito, no meu entender, contém algumas mensagens erradas.
    Um beijo

     
  • At 12:16 AM, Blogger Madeira Inside said…

    Olá Micas!!
    Que lindo o que acabei de ler!! Muito bom e interessante!!
    Portugal, apesar de muitas das suas tristezas, é bonito!! :))

    Um beijinho enorme!!
    :))))
    Fica muito bem!!

     
  • At 11:27 AM, Blogger Daniel Aladiah said…

    Querida Micas
    Saudações dum tripeiro de gema.
    Um beijo
    Daniel

     
  • At 6:55 PM, Blogger Parrot said…

    Gostei muito desta abordagem.
    Todos somos portugueses, e isso é que é importante. Somos um país demasiado pequeno para certas divisões que não têm sentido.
    Mas de facto, não deixa de ser interessante, que os Nortenhos têm orgulho em serem chamados Nortenhos ao contrário do Sul. Sou do Norte e adoro o sul e .... o meu Portugal

     
  • At 9:15 PM, Blogger Carlos Alberto Lopes (Ka) said…

    Olá Micas !

    Belo texto do M E C ainda que sinta uma dose de romantismo enorme !

    Com a "isenção" de quem é estrangeiro no Norte e igualmente no Sul , direi que existem muitos "Nortes" a Sul e outros tantos "Sul" a Norte .

    Com as difererenças que caracterizam cada uma das regiões e os seus povos, eu prefiro o Norte, mas é apenas uma opinião !!!

     
  • At 11:33 AM, Blogger MicasMariana said…

    Pois eu que sou lisboeta apaixonei-me pelo Norte e adoptei Trás-os-Montes!! Belos textos, é mesmo isso;D!!

     
  • At 11:25 AM, Blogger margusta said…

    Querida Micas,
    ...tambem sou Minhota! :)))
    De Cabeceiras de Basto...embora tivesse saído de lá criança, continuo a achar o nosso Minho uma delícia...lindo!!!

    Beijinhos.

     

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