Citações, Música, Fotografia, Desabafos, Notícias & Opiniões de uma Lusitana em Terras da Germânia

Freitag, Oktober 29, 2004

Locais de Culto

Por estranho que possa parecer, os cemitérios e o mar são dos locais que mais me tranquilizam.
O mar pela força, pela vida, beleza e paz que transmite, e os cemitérios pela paz sempre presente.
Sorrio sempre que algum dos meus amigos diz que tenho gostos mórbidos, ou que a minha sanidade mental não é das mais saúdaveis, já que não consigo associar os cemitérios a um fim, vejo-os como última morada de uma passagem em determinado estádio da alma num corpo materializado.
Não tenho medo da morte nem a vejo como algo tenebroso, é apenas uma porta que se fecha para outra se abrir. A passagem a uma outra dimensão.
As lágrimas que derramei pelos meus, que já partiram, foram apenas de uma saudade fisica. Sinto-os comigo. Sempre. O local onde os seus corpos repousam serve-me apenas para lá ir pensar alto. Gosto de lá ficar, contar-lhes como são os meus dias, mesmo sabendo que eles o sabem, é como que uma visita. Saio sempre de lá com paz interior muito grande. Sim, encontro a Paz nesses locais.

Existe um cemitério que me é muito especial. Fica algures na Irlanda, num local situado entre Baile Atha Cliath (Dublin) e Dún Laoghaire.
É um cemitério já sem culto que a natureza envolve nos seus braços com carinho (na foto).
Nem sei explicar o porquê desse sitio me ser tão querido. Quando me levaram lá pela primeira vez, fiquei confusa, tudo me era estranhamente familiar. Como se já lá tivesse estado antes. Senti como que um regresso a casa.
E aquela pedra tumular, gasta e escondida pelas heras e arbustos exercia e exerce uma força desconhecida sobre mim. Há imensas nesse local, mas só aquela em especial me atrai. Como eu gostava de saber a quem pertence aquela morada. Tudo o que poderia lá ter estado escrito mal se consegue decifrar. Ás vezes penso se não serei eu que lá repouso, depois de uma passagem num outro qualquer estádio da minha alma! Eu sei, é apenas um pensamento de quem tem imaginação fértil e cabeça eternamente sonhadora.

Tudo isto apenas para dizer que as pessoas em geral vêem a morte e os cemitérios pintados de negro e de lágrimas, onde só vão quase por obrigação. Eu apenas vejo um local de Paz e repouso entre uma vida e outra. Adoro a vida com toda a força que ela tem, tal como encaro a morte sem pressa, mas com toda a serenidade que me é possivel alcançar!











"Poema Celta - Jason Carns"
(Irish Gaelic)


„Istigh ar na h-inseáin tá sean-reilig bheannaithe
An áit inar mhaireadh naoimh san aimsir fadó
Tá daoine istigh ann ag chaith seal go h-aerach
Ní shiúlfaidh siad thar fán chladaigh níos mó.“



(Tradução - Irish English)
„Above on the headland there is a blessed old cemetery
The place in which saints lived in times long ago
There are people within spending a while carefree
The will not walk round on the shore any more.“






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Mittwoch, Oktober 27, 2004

Fantasias


(Fantasie - Kandinsky)

Entre um beijo e outro,
Saboreamo-nos.

Entre trocas de olhares e toques de mãos,
Sentimo-nos.
Puro prazer de quem se Quer.
E todas as vezes que fujo contigo,
Com desejos planas no ar que respiro.
Insana fantasia??
Amor puro amor e
Lágrimas, de alegria??

[07-10-04]
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Dienstag, Oktober 26, 2004

Münster, o umbigo mais bonito do mundo.

A cidade Westfálica de Münster ultrapassou Seatle e Conventry no aspecto de Qualidade de Vida. www.muenster.de


Como habitante de Münster e como tendo adoptado esta cidade como minha segunda casa, não poderia de todo deixar passar este acontecimento em branco, já que o orgulho também me enche o peito tanto quanto a qualquer alemão aqui nascido.



(foto http://www.vennemann-online.de)

No concurso Internacional LivCom Award, que existe desde 1997, Münster foi a primeira cidade alemã a ganhar a medalha de ouro, ultrapassando cidades como Seatle nos EUA e a cidade inglesa de Coventry. Foi mundialmente seleccionada como sendo a cidade com o mais alto nivel de Qualidade de Vida.


O concurso decorreu na cidade Canadiana do Niagara, onde esteve reunido um Juri Internacional.

Com fotografias do lago Aasee e da Prinzipalmarkt, o Governador Civil Berthold Tillmann apresentou a sua cidade pela perspectiva ambiental.

(Foto de Ruiz-Valdes - http://www.ruiz-valdes.de/Muenster/index.html)


Os pontos que mais convenceram o Juri tiveram por base o conceito de trânsito quase e só exclusivamente feito por bicicletas, e a política de reciclagem de resíduos através de uma unidade mecânica-biológica.

Os seus habitantes já há muito sabiam que a sua cidade é uma das mais bonitas do mundo, agora sentem-se duplamente orgulhosos por não só eles o saberem, mas pela mesma o ter sido assim considerada mundialmente.

Münster é sem dúvida uma cidade de puro encanto.

http://www.panorama-cities.net/muenster/muenster.html
(clicar para ver duas series de fotos panorânicas)
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Freitag, Oktober 22, 2004

Até onde vai a liberdade de expressão em Portugal?

Achei oportuno colocar este texto, retirado do Blog http://puxapalavra.blogspot.com/ , com a devida autorização do autor João Abel de Freitas, a quem agradeço.


2004-10-22
Até onde vai a liberdade de expressão em Portugal?
O PUXAPALAVRA teve conhecimento deste texto e decidiu divulgá-lo
"Nasci e tenho vivido num pequeno concelho (Pombal) do Litoral-Centro (Distrito de Leiria). Não milito em nenhum grupo partidário. Sou um simples cidadão nascido seis anos antes do 25 de Abril de 1974.E como cidadão, ingénuo a pensar que haveria liberdade de expressão e de opinião, criei em Julho passado um "blog" na Internet que pretendia ser um espaço de reflexão e de debate de ideias, com críticas construtivas, sobre que está a acontecer na minha Terra.Nomeadamente sobre a actividade da respectiva Câmara Municipal e outras instituições. Esse "blog" num espaço de dois meses registou mais de 6.700 visitas, tendo sido comentado em grande número por outros cidadãos/munícipes.A respectiva autarquia, presidida pelo social-democrata Eng. Narciso Mota, nunca usou o princípio do contraditório. Apesar de reconhecer que alguns dos temas abordados tinham a sua veracidade, alterou alguns procedimentos, dando razão ao que por lá se escrevia. Reconhecendo que o "blog" era incómodo para o Poder (leia-se, Câmara Municipal), o senhor presidente entendeu que a melhor forma de usar o "contraditório" era acabar com o mesmo. Vai daí, entrou em contacto com a direcção/administração da empresa onde eu trabalhava e denunciou a sua existência, fazendo ver que o "blog" era "gerido" em horas de expediente.A direcção da empresa de imediato, e justificando que aquela situação lesava a relação institucional com a Câmara Municipal, até porque necessitava desta para legalizar algumas situações pendentes, despediu-me.Isto, não argumentando com falta de profissionalismo ou de produtividade. Mas sim, porque o senhor presidente da Câmara assim os contactou para o efeito. Esclareci a situação e comprometi-me a eliminar de imediato o "blog", o que foi feito e aceite. Precisamente um mês depois, e pelo meio alguns encontros realizados entre o presidente da Câmara e a direcção/administração da empresa, fui novamente confrontado com o despedimento. E perante duas opções: instauração de processo disciplinar ou demissão voluntária, optei pela segunda.Ou seja, a intervenção do senhor presidente da Câmara Municipal de Pombal neste processo é um facto. Tanto o é que um dos seus vereadores afirmou perante algumas pessoas "já acabámos com o blog"Esta situação é notoriamente idêntica à que aconteceu com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Na sua proporção, obviamente. Mas, com um senão... o meu futuro. Estou desempregado, com duas crianças de 20 meses para criar, casa e carro para pagar. E esposa também desempregada.E tanto mais que, ainda há dias, ouvi da boca de um eventual empregador: "reconheço que és a pessoa indicada para o meu projecto, mas quando o senhor presidente da Câmara soubesse, caía o Carmo e a Trindade. E eu não quero ter problemas com esse senhor".É triste que 30 anos depois de uma revolução, ainda haja quem de uma forma nojenta e vergonhosa, censure as vozes discordantes para que estas não expressem livremente as suas opiniões".
Rua Paul Harris, nº 13 - 1º Esq
3100-502 Pombal
Telef.: 236213594 - 936354363
E-mail: orlando.cardoso@zmail.pt"
# posted by Joao Abel de Freitas @ 15:16

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Mittwoch, Oktober 20, 2004

Lendas do Vale do Lima

Lenda de Viana


Há muito, muito tempo existia uma pequena povoação nascida na margem direita do rio Lima, junto à foz, quando as águas doces e vagarosas se misturam com o bravio das ondas salgadas.
Chamava-se Átrio e tinha, sobranceira, uma montanha densa de arvoredo, onde, no alto, existira a fortificação de um castro habitado por povos sem nome e que, a dada altura, desceram ao litoral, buscando, na pesca, melhor alimento e mais comércio.
Era extremamente bela, entre veigas cultivadas, palmos de hortas viçosas, redis, pomares e vinhedos.
Mas a sua principal vocação era, sem dúvida, o mar, a pesca.
E, na extenção fina de praia, várias embarcações esperavam as madrugadas para serem lançadas às vagas, com o afã dos remos, o aceno das velas e o espalhar das redes.
Pelo entardecer, as companhas regressavam ao Átrio, para alegria das mulheres e das crianças, com o fundo da embarcação farto de pescado palpitante: a sardinha, o carapau, a faneca, o congro...
Vinham, rio abaixo, muito habitante de outras povoações, para o abastecimento pródigo das suas mesas.
Ora morava no Átrio, na modéstia de um casebre, uma linda rapariga chamada Ana, filha de pescador e desenvolta na venda de peixe, sempre com uma canção nos lábios, ouvida a algum jogral chegado da vizinha Galiza, onde animava os serões dos paços e os terreiros das romarias.
Escutava-lhe, deliciado, estas cantigas de amor e de amigo, um jovem barqueiro que, empunhando a longa vara com que impulsionava o comprido barco de fundo chato, transportava, na correnteza do rio, até ao Átrio, várias vezes por semana, lavradores e mercadores à compra de peixe fresco e saboroso para dar prazer aos rigorosos jejuns.
De tanto escutar a voz harmoniosa de Ana e de lhe admirar a graça, o rapaz começou a sentir pela rapariga um amor que ia aumentando dia após dia.
Confessara já aos amigos e companheiros de lida o agrado desse amor nascente.
E estes, contentes com o seu contentamento, sorriam quando o moço barqueiro, ao voltar do Átrio, lhes atirava um brado feliz:
- Vi Ana! Vi Ana!
Um dia, porém, não se contentou em vê-la e dirigiu-lhe a palavra, num enleio que lhe corava as faces.
A rapariga percebeu, então, o vivo interesse do rapaz por ela, os olhos dele, brilhantes, sobre o rosto dela, sobre os olhos dela, sobre os cabelos dela...
E o seu coração lisonjeado retribui-lhe esse interesse, retribuiu-lhe esse amor.
Não tardou em realizar-se a boda dos dois enamorados.
Durante os festejos, bebendo vinho acre e refrescante gerado nos parreirais da região, os companheiros e amigos do noivo recordaram-lhe o brado entusiástico:
- Vi Ana! Vi Ana!
O dito foi logo adoptado pelos pescadores do Átrio que passaram a repeti-lo quando, vindos dos trabalhos duros da faina, se lhes deparava o vulto acolhedor da montanha, as praias doiradas, as veigas férteis, as águas lentas do rio e a paz dos seus lares:
- Vi Ana! Vi Ana!
Ao conceder o foral à povoação da foz do Lima, em 1258, o rei D. Afonso III, que a visitara tempos antes, extasiando-se com tanta beleza e prosperidade, substituiu-lhe o nome de Átrio pelo de Viana.
Por certo, alguém lhe revelara aquele brado de amor.
E só amor merece terra tão abençoada!
"In Lendas do Vale do Lima de Manuel Couto Viana"
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Montag, Oktober 18, 2004

Despedida

Madalena andava triste, sabia que mais cedo ou mais tarde teria que se afastar. As despedidas são sempre muito dificeis, e como já tinha dito adeus a tanta coisa na sua vida, esta [despedida] estava a tornar-se bastante complicada, talvez por não a querer aceitar de verdade.

A sua vida nunca tinha sido muito difícil até então.
Tudo lhe tinha sorrido até ao dia em que por amor abandonou tudo.
Sempre se tinha achado segura das suas decisões e demasiado forte para se deixar cair.
Aquilo que achava impensável acabou por acontecer. O amor não conseguiu superar todos os obstáculos que foram surgindo e, pouco a pouco, foi-se apoderando dela um forte sentimento de insatisfação.
Tudo lhe fazia falta. A carreira que deixou, os amigos que ficaram longe, e tudo o que até ali nunca tinha dado grande valor.

Madalena era agora uma mulher de rosto triste e sorriso apagado. Refugiava-se nos seus sonhos, no seu mundo imaginario, isolando-se do mundo que a rodeava sempre que possivel.

Um dia, num acaso que o tempo lhe reservou, conheceu alguém especial. Alguém que lhe devolveu a alegria e lhe despertou sentires há muito adormecidos. Alguém que lhe devolveu o sorriso perdido e a fez sentir quase uma Deusa. Ainda que por pouco tempo, Madalena esqueceu tudo e voou, amou em segredo, foi feliz.

Agora pagava caro o preço dessa felicidade passageira. Teria que partir e estava consciente disso. O pesadelo já tinha entrado e nem na porta batera. Começara a guerra entre o pensamento lógico e o coração sonhador. Tudo se tornou confuso.

Tentava em vão dizer a esse ser que lhe era tão querido que tudo teria que terminar. Como queria ser rude e encontrar as palavras mais duras para o ponto final que não queria dar. Ao invés: as palavras não saíam e as lágrimas corriam.

Madalena fez-se forte e conseguiu enfim partir. Segue agora o seu caminho levando no coração um amor doce e impossivel que guardará como se de um tesouro se tratasse. Segue com a esperança que um dia, esse amor se volte a cruzar no horizonte das voltas que a vida dá (...).

[17-10-04]
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Samstag, Oktober 16, 2004

Carta

...escrevo, ou escrevo-te e nem eu sei muito bem porque o faço. Sinto apenas vontade de o fazer.

São extratos dos meus pensamentos que se vão acumulando ao longo dos dias.
Tento descobrir como tudo começou. Revejo cada peça minuciosamente como se de um quebra-cabeças se tratasse.
Tento entender o que está a acontecer. Entender o que está para além do meu entendimento. Este misto de sentires que me deixam ora agitada ora calma, confusa e lúcida ao mesmo tempo. O querer e não querer. O medo. O medo constante do desconhecido. Um medo que me apavora e atrai. Mil e uma contradições que procuro decifrar sem contudo achar solução.

Dizes que és um extra-terrestre. Sou quase levada a crer que sim. Deves ser mesmo. Talvez seja essa a única explicação credível para este meu súbito comportamento anómalo.

Um dia, disse-te que as tuas palavras eram como uma cascata de águas puras e cristalinas onde eu bebia com sofreguidão, deixando essa mesma água escorrer pelo canto dos lábios, pelo prazer de sentir a pele em arrepios contínuos. Purificava-me. A alma e o corpo. As mesmas palavras [tuas] que me entonteciam com o seu cheiro a rosmaninho e erva doce, um vinho mágico pelo qual me deixava embriagar. Uma „droga“ que me viciou e me tornou dependente.

Necessito de ouvir a tua voz, o teu riso, para te poder sentir. E sinto.
Tento adivinhar teus gostos e adivinhar-te. Imagino-te pairando sobre mim.
Deixo que dedos me toquem ao de leve, desenhando o perfil de lábios [meus], sedentos de outros lábios [os teus], enquanto murmuras ao ouvido que me amas.
Já rendida entrego-me [a ti] a essa paixão que me consome, envolta em tons de azul e beijos em tons de rubro...
É apenas um sonho. Eu sei. Um sonho só meu, que guardo no meu mundo imaginário, nos meus Jardins Proibidos. Só meu.

Ouço agora Clannad que me envolve numa melodia de paz e serenidade.

Continuo a escrever [para ti]. Uma escrita desordenada. Não penso sequer trabalhar o texto. Tu já sabes que eu não sei escrever! É apenas o passar para a folha em branco tudo o que me vai na alma, ou quase tudo. É assim que eu sou e que quero que me conheçam, com todos os meus defeitos, transparente.

Continuo a escrever, sendo interrompida de vez enquanto por uma criança que chama, o telefone que toca, a campainha... Os sons do meu mundo real e banal de qualquer pessoa vulgar.

É já longa esta carta, longa demais para que percas tempo em a ler até ao fim. Também não importa, desde que a mim me tivesse dado prazer escrevê-la.

Deixo-te agora, beijando-te, ao de leve, nos lábios. Nos teus lábios. (...)

[15-09-04]
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Donnerstag, Oktober 14, 2004

No despertar dos sentidos e sentires que a rotina se encarregou de adormecer...Encontro-te-me.
Onde começa a linha da Realidade e onde acaba a linha do Sonho???
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Dienstag, Oktober 12, 2004

Nestes últimos tempos

Nestes últimos tempos é certo que a esquerda fez erros
Caiu em desmandos confusões praticou injustiças

Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
Degradação das coisas que a direita pratica?

Que diremos do lixo do seu luxo - de seu
Viscoso gozo da nata da vida - que diremos
De sua feroz ganância e fria possessão?

Que diremos de sua sábia e tácita injustiça
Que diremos de seus concluios e negócios
E do utilitário uso dos seus ócios?

Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
De suas fintas labirintos e contextos?

Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
Desfigurou as linhas do seu rosto

Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
Degradação da vida que a direita pratica?


"Sophia de Mello Breyner Andresen in O Nome das Coisas - 1976"
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Freitag, Oktober 08, 2004

Jardins Proibidos

Com a alma atormentada e o corpo a dar sinais de fraqueza. Depois de um par noites assaltada pelos fantasmas do meu subconsciente que imperaram sob o sono e o cansaço, arrastei-me num último impulso de sobrevivência. Aproveitei as parcas forças que ainda me restavam, para com elas me transportar aos meus Jardins Proibidos.

Aqui onde o céu é sempre azul e o sol não pára de brilhar. Onde os pássaros de todas as cores do arco-íris me embalam em melodias celestiais. Onde a vegetação de verdes luxuriantes exala o mais enebriante aroma. Aqui onde me purifico e renasço.

A cascata de águas puras e cristalinas cantava uma canção de vida que me chamava. E já encantada pelo som da água que se derramava sobre as rochas, fechei os olhos e segui o chamamento.
A pele arrepiava-se ao toque daquela água que caía agora sobre mim, envolvendo-me como se de um abraço de amante se tratasse, purificando alma e corpo.
Devolvia-me a Paz perdida algures.

Aqui, neste Jardim onde só eu tenho a chave, imaginei-te. Sonhei-te. Senti-te. Levei-te pela mão a conhecer os meus recantos mais secretos. Entreguei-me e deixei que me fizesses tua, e por um momento o mundo foi só nosso.

Quisera dar-te a flor mais bela do Jardim, pensei numa rosa. Uma rosa branca. Não, tinha que ser ainda mais especial. Decidi-me por uma flor de magnólia, branca também. De pétalas perfeitas, carnudas e cheiro sedutor. Colhida já com as primeiras gotas de orvalho da noite que se avizinha. Sim, será esta a flor eleita.
Guarda-a, para que não esqueças nunca aquele momento mágico que foi só nosso (...)

[05-10-04]

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Mittwoch, Oktober 06, 2004

MURIEL

Às vezes se te lembras procurava-te
Retinha-te e esgotava-te e se te não perdia
Era só por haver-te perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
E para ver-te verdadeiramente
E na tua visão me comprazer
Indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
Tão disponível como então eu estava
Mas hoje há os papeis há as voltas dar
Há gente à minha volta há a gravata
Misturei muitas coisas com a tua imagem
Tu és a mesma mas nem imaginas
Como mudou aquele que te esperava
Tu sabes como era se soubesses como é
Numa vida tão curta mudei tanto
Que é com certo espanto que no espelho da manhã
Distraído diviso a cara que me resta
Depois de tudo quando o tempo me levou
Eu tinha uma cidade tinha o nome da Madrid
Havia as ruas as pessoas o anonimato
Os bares os cinemas os museus
Um dia vi-te e desde então Madrid
Se porventura tem ainda para mim sentido
É ser solidão que te rodeia a ti
Mas o preço que pago por te ter
É ter-te apenas quando poder ver-te
E ao ver-te saber que vou deixar de ver-te
Sou muito pobre tenho só por mim
No meio destas ruas e do pão e dos jornais
Este sol de Janeiro e alguns amigos mais
Mesmo agora te vejo e mesmo ao ver-te não te vejo
Pois sei que dentro em pouco deixarei de ver-te
Eu aprendi a ver a minha infância
Vim a saber mais tarde a importância desse verbo para os gregos
E penso que se bach hoje nascesse
Em vez de ter composto aquele prelúdio e fuga em ré maior
Que esta mesma tarde num concerto ouvi
Teria concebido aqueles sweet hunters
Que esta noite vi no cinema rosales
Vejo-te agora vi-te ontem anteontem
E penso que se nunca a bem dizer te vejo
Se fosse além de ver-te sem remédio te perdia
Mas eu dizia que te via aqui e acolá
E quando te não via dependia
Do momento marcado para ver-te
Eu chegava primeiro e tinha de esperar-te
E antes de chegares já lá estavas
Naquele preciso sítio combinado
Onde sempre chegavas sempre tarde
Ainda que antes mesmo de chegares lá estivesses
Se ausente mais presente pela expectativa
Por isso mais te via do que ao ter-te à minha frente
Mas sabia e sei que um dia não virás
Que até duvidarei se tu estiveste aonde estiveste
Ou até se exististe ou se eu mesmo existi
Pois na dúvida tenho a única certeza
Terá mesmo existido o sítio onde estivemos?
Aquela hora certa aquele lugar?
à força de o pensar penso que não
na melhor das hipóteses estou longe
qualquer de nós terá talvez morrido
no fundo quem nos visse àquela hora
à saída do metro de serrano
sensivelmente em frente daquele bar
poderia pensar que éramos reais
pontos materiais de referência
como as árvores ou os candeeiros
talvez pensasse que naqueles encontros
em que talvez no fundo procurássemos
o encontro profundo com nós mesmos
haveria entre nós um verdadeiro encontro
como o que apenas temos nos encontros
que vemos entre os outros onde só afinal somos felizes
Isso era por exemplo o que me acontecia
Quando há anos nas manhãs de Roma
Entre os pinheiros ainda indecisos
Do meu perdido parque de villa borghese
Eu via essa mulher e esse homem
Que naqueles encontros pontuais
Decerto não seriam tão felizes como neles eu
Pois a felicidade para nós possível
É sempre a que sonhamos que há nos outros
Até que certo dia não sei bem
Ou não passei por lá ou eles não foram
Nunca mais foram nunca mais passei por lá
Passamos como tudo sem remédio passa
E um dia decerto mesmo duvidamos
Dia não tão distante como nós pensamos
Se estivemos ali se Madrid existiu
Se portanto chegares tu primeiro porventura
Alguma vez daqui a alguns anos
Junto de Califórnia vinte e um
Que não te admires se olhares e me não vires
Estarei longe talvez tenha envelhecido
Terei até talvez mesmo morrido
Não te deixes ficar sequer à minha espera
Não telefones não marques o número
Ele terá mudado a casa será outra
Nada penses ou faças vai-te embora
Tu serás nessa altura jovem como agora
Tu serás sempre a mesma fresca jovem pura
Que alaga de luz todos os olhos
Que exibe o sossego dos antigos templos
E que resiste ao tempo como a pedra
Que vê passar os dias um por um
Que contempla a sucessão de escuridão e luz
E assiste ao assalto pelo sol
Daquele poder que pertencia à lua
Que transfigura em luxo o próprio lixo
Que tão de leve vive que nem dão por ela
As parcas implacáveis para os outros
Que embora tudo mude nunca muda
Ou se mudar que se não lembre de morrer
Ou que enfim morra mas que não me desiluda
Dizia que ao chegar se olhares e não me vires
Nada penses ou faças vai-te embora
Eu não te faço falta e não tem sentido
Esperares por quem talvez tenha morrido
Ou nem sequer talvez tenha existido.

"Ruy Belo"






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Montag, Oktober 04, 2004

Noticia de última hora!

A equipa ministerial da 5 de Outubro introduziu uma nova disciplina curricular no ensino secundário: a Introdução à Comptabilidade.

Nela os alunos aprenderão os mais modernos métodos aleatórios de ordenar os elementos de um conjunto, dadas as restrições introduzidas pelo factor C.

Até à hora do fecho desta edição não conseguimos no entanto apurar se o factor C se refere a Cunha, a Carmo ou a Compta.

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Freitag, Oktober 01, 2004

Partir de um Sonho

A noite foi escura e fria. Lá fora a chuva caiu intensamente, batendo com força nas vidraças provocando um concerto de sons ensurdecedores, que convidavam a paixões e loucuras inconfessáveis.


Tudo parou.
Como num passe de mágica, entra agora pela janela uma brisa matinal, fresca, normal para uma manhã de Outono.
Uns poucos e ténues raios de sol teimam em romper nuvens. O cheiro é inebriante a esta hora do dia, num misto de terra molhada e maresia que despertam sentidos.

Na cama, palco de uma noite de amor, onde os nossos corpos se fundiram em entregas sem reservas nem condições, dormes ainda.

É belo o teu semblante adormecido, alheio à dor que me trespassa o coração.
Olho-te com carinho. O teu rosto de menino feliz transmite-me a paz necessária para acalmar a alma atormentada.

Em breve terei de partir. Porque a vida corre para lá deste quarto onde as cortinas esvoaçam numa dança sensual. Onde o sonho se fez real por momentos feitos de silêncios e sentires.

Vou partir, vou deixar crescer asas, e um dia... Um dia volto.
Volto a este quarto, onde agora te deixo adormecido, tal como ao sonho que ambos partilhamos.
Volto e vou voar, voar, voar...


[26-09-04]

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